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O treino funcional - um paradigma ou um nome de marketing

A expressão treino funcional já existe no mundo do exercício físico há algum tempo, contudo esta expressão tem sido usada de forma indiscriminada, seja para campanhas comerciais de ginásios e academias, seja pelos próprios treinadores, no sentido de vender conceitos e abordagens nem sempre sensatas. Na área do exercício físico é comum ouvir dizer que Treino Funcional serve para praticar algo que se realiza no trabalho, na vida diária ou no desporto. Trata-se de uma visão simplista sobre um conceito mais complexo do que aparenta ser. Quem olha para o conceito de Treino funcional deste ponto de vista percepciona apenas uma pequena parte do “iceberg”. Existe uma enorme "massa" por debaixo deste conceito que o torna bastante mais complexo o seu entendimento.

Uma visão pura por parte de um "funcionalista" fá-lo crer que para um exercício ser considerado "funcional", este terá de ser um "movimento integrado", isto é, somente os movimentos poliarticulares e multidimensionais ou multiplanares são funcionais. O "funcionalista" crê que os movimentos primordiais do ser humano são "artificiais", "sintéticos", "raros", "inúteis" e inclusivamente podem ser "maus", pois não preparam a pessoa para o seu dia-a-dia. No meu entender, esta visão trata-se de uma perspectiva distorcida ou curta da realidade. É curta, na medida em que o movimento humano resulta de uma multiplicidade de movimentos, os quais compõem  elos de uma cadeia do movimento. É possível sobreviver se algum destes elos estiver em falha? Sim. A norma primordial do ser humano (Sobreviver e Reproduzir) determina que, independentemente do estado da "máquina", esta tem de cumprir o seu pressuposto primário, nem que para isso entre em "modo" de compensação. Ou seja, se a única forma que o individuo tem de cumprir as actividades do dia-a-dia é através de movimentos compensatórios, então, o centro de comando (Sistema Nervoso Central), bem como o seu chassis (Sistema Músculo-Esquelético), sofrerão adaptações crónicas, fruto da sua adaptabilidade, com um único propósito, a sobrevivência. A compensação por si só não é algo mau, mas sim um mecanismo de defesa, seja por via da alteração da função neurológica, seja da função fisiológica, ou mesmo da estrutura física dos diferentes tecidos. Esta modificação visa colmatar a ausência de outra solução face à nossa resposta ao "instinto primário" enquanto ser vivo. Não quero com isto dizer que estes padrões compensatórios são benéficos, porém, não acredito que retirá-los sem dar outra solução válida ao organismo, ou pelo contrário aumentá-los por via do treino dos mesmos, seja uma solução válida. 

Será a expressão Treino Funcional a mais adequada?

Quais os significados de função e funcional? Nada que um dicionário não possa fazer concluir que Função é o que diz respeito ao "desempenho de uma actividade ou de um cargo; exercício; ocupação...". Assim sendo, função é uma acção característica normal de algo, é um tipo de dever requerido para um trabalho ou uma acção determinada. Pode ser visto como actuar, trabalhar ou ser usado de um determinado modo. No fundo, qualquer estrutura do corpo humano foi e é geneticamente pré-determinada, o que por sua vez determinou a sua função. Significa isto, que a genética, logo as características inatas do sujeito determinam a função das suas estruturas. Pese embora, o ambiente condiciona estas funções. Relativamente à palavra Funcional, trata-se de um adjectivo que diz respeito às funções de um órgão ou aparelho; que estuda funções; prático; utilitário; de fácil aplicação ou uso; Bem Adaptado pela configuração e dimensões à Função Respectiva; pronto para funcionar. Decidi evidenciar as palavras "...bem adaptado...à função respectiva", pois esta é a frase chave de todo este artigo. A palavra funcional é relativa a uma função ou implica a realização de uma função. Pode até parecer ser "massudo" abordar o significado das palavras "função" e "funcional", contudo, se não o fizer como poderemos comunicar sem suscitar dúvidas quanto às referidas palavras e à diferença entre elas. É essencial que a comunicação seja clara e que estejamos a falar do mesmo. Dou esta pequena explicação pelo facto de me parecer que as  pessoas quando falam da palavra funcional, no contexto do treino, referem-se à transferência. Por essa razão, sou da opinião que se deveria falar antes de treino de transferência, e não de treino funcional.

É a minha perspectiva, que a expressão "Treino Funcional" não é correctamente bem empregue e, como tal, pressupõe uma utilização à posteriori inadequada. Atendendo, a que o emprego do conceito de "Treino Funcional" está assente na imitação de actividades físicas da vida diária, podemos facilmente depreender que para além de aumentar a sobre utilização de diversas estruturas do corpo (já esforçadas no dia a dia), este tipo de actividade pode conduzir a lesões crónicas A minha opinião é que o "Exercício funcional" não deveria ser um "desafio" ou "violação" à função das nossas estruturas anatómicas e neurológicas, explorando a sua máxima tolerância, as suas limitações e habilidades geneticamente predeterminadas. A transferência é, a meu entender, a chave da influência de um exercício sobre a aplicabilidade de um objectivo que é definido à partida pelo responsável pela prescrição do exercício, de acordo com as necessidades do cliente. Isto é, após a definição dos objectivos do treino é, fundamental seleccionar correctamente os exercícios, assim como as progressões adequados para permitir que o cliente atinja os seus objectivos com segurança e qualidade. Isto significa que os movimentos analíticos podem ter algum grau de transferência. A chave para saber qual o tipo de exercício mais adequado está na definição do estado actual do atleta/cliente e das suas necessidades. No fundo, qualquer movimento padrão que faça parte da acção integrada global para a qual pretendemos preparar/condicionar o nosso atleta/cliente, tem um grau de transferência.

A "funcionalidade" de um treino não é determinada simplesmente pelos exercícios utilizados. O que importa é a selecção dos diferentes exercícios utilizados. O que importa é a selecção dos diferentes exercícios, o modo como estes são encadeados e ensinados e por fim como se realiza uma progressão. A chave do sucesso de um programa de treino está na variação estratégica e na progressão dos exercícios de treino. O "Treino funcional" por si só, reforçará os padrões compensatórios, se os elos fracos da cadeia do movimento não forem identificados e eliminados em primeiro lugar (Greg Roskopf in Purvis, 2001). A este nível, a avaliação de toda a estrutura articular e neurológica joga um papel fulcral, na medida em que permite identificar eventuais desequilíbrios musculares, responsáveis por desajustes mecânicos. Nos últimos anos, tem sido desenvolvidas, nos EUA e já com alguma implantação na Europa, as técnicas de activação muscular, cujo objectivo é o de avaliar e tratar debilidades musculares, com base na propriocepção muscular, e com isso, aumentar a estabilidade articular, criando uma base solida para uma correcta progressão no treino com resistências. Algumas destas técnicas (isometria de intensidade gradual) são excelentes ferramentas para os treinadores as incluírem nos seus programas de exercício, enquanto instrumentos que lhes permitem fazer uma adequada avaliação do estado dos sistema articular e neuromuscular, e reequilibrar os mesmos. São excelentes ferramentas  para avaliar a qualidade do seu trabalho, na medida em que emitem saber se os métodos por eles usados estão a surtir efeito desejado.

Voltando à definição de "Treino funcional", se algum consenso houvesse na mesma, as seguintes palavras seriam as que mais levariam a nossa concórdia: "Treino funcional é o conjunto de ferramentas de treino (exercícios, equipamentos e estratégias), que quando utilizadas estrategicamente promovem a melhoria da função do corpo, bem como da sua tolerância às forças, com vista a um melhor rendimento no trabalho, nas acções quotidianas ou numa actividade desportiva. Estas devem respeitar as funçoes das várias partes do corpo, bem como estar adaptadas ao seu estado e ajudar a potencializar a função das mesmas".

Porém, dado a má interpretação que o sector do exercício fez deste conceito, somos levados a considerar como mais adequada a utilização de outros termos tais com Treino com Resistências Integrado ou Treino de Transferência.

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Texto de Carlos Pinto